Projeto Lucinda

A comunidade surda de Tiros - Minas Gerais

A língua de sinais de Tiros (LST, daqui em diante) é usada numa microcomunidade de pelo menos 23 indivíduos, sendo 10 surdos e 13 ouvintes, na zona rural do estado de Minas Gerais (MG), Brasil.

O primeiro estudo sobre essa língua é Amorim (2024) em tese de doutorado recém-defendida no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa.

Tiros é uma cidade do interior de Minas Gerais, sudeste do Brasil, vizinha de Estado de São Paulo (figura 1 abaixo), com uma população de cerca de 7.500 habitantes. A economia da cidade gira em torno principalmente da agricultura, pecuária e construção civil. Os participantes surdos e ouvintes de nossa pesquisa estão envolvidos principalmente na agricultura e na produção de laticínios. Não há dados oficiais sobre a existência de uma língua de sinais nativa na região.

Podemos observar pelos relatos que sempre existiram muitos surdos na família, mas não há registros formais a esse respeito. Os membros mais distantes da família, já falecidos quase todos, viviam na zona rural da cidade que hoje é conhecida como Tiros. Seu conhecimento em relação à condição dessas pessoas surdas estava marcado pelo estigma da deficiência, por um lado, e pela naturalização da surdez, uma vez que era comum entre eles, por outro. Nunca foi feito um estudo genético que pudesse justificar a alta incidência de pessoas surdas na família, mas a sua história está marcada por muitos casamentos consanguíneos, o que poderia explicar que algum componente genético circulou na família por muitas gerações. Atualmente esses casamentos não são mais comuns e não há registro de novos descendentes surdos, sendo que as últimas surdas nasceram há 40 anos.

Amorim (2024) registra que o uso da LST pode ser verificado atualmente no contexto de três gerações, que a mantém viva ao longo de mais de 60 anos.

A surda mais velha, que representa a primeira geração de surdos vivos, é Ziva, que tem quase 90 anos e mora em Brasília, com dois filhos ouvintes há alguns anos. Ziva nunca aprendeu libras e se comunica com os membros da família, principalmente a irmã Lurdinha, que mora em Tiros, por meio de videochamadas semanais. A segunda geração de surdos são filhos de ouvintes e para explicar sua história é preciso lembrar de dois personagens importantes da família, Jair (falecido)  e Leopoldina. Jair era ouvinte, irmão de Ziva e de um e irmão surdo, Geraldo Ramiro (falecido). Jair se casou com a prima Leopoldina, ouvinte. Juntos tiveram 9 filhos, 4 surdos e 5 ouvintes. Possivelmente, Jair, que já tinha contato com os dois irmãos surdos durante toda a vida, foi o principal responsável pelas interações na língua de sinais familiar com seus filhos. O irmão de Leopoldina, por sua vez, teve 4 filhas, sendo 2 surdas e 2 ouvintes. Os filhos e sobrinhas de Leopoldina representam a segunda geração de surdos. São eles: seus filhos Maria de Fátima, Vanilda, José Maria e Lenir, e as sobrinhas Vani e Lúcia. Amorim (2024) identifica que a LST é usada ainda por uma terceira geração, composta apenas de ouvintes que são os filhos da segunda geração. Amorim (2024) destaca ainda que é possível considerar uma quarta geração de sinalizantes ouvintes que são os netos de Maria de Fátima, que se comunicam com a avó por sinais da LST.

Observamos que há, portanto, dois núcleos familiares: um de Maria de Fátima, Vanilda, José Maria e Lenir e outro de Vani e Lúcia. Embora estejam sempre em contato, Amorim (2024) observou que há variação na sinalização.

Essas famílias compostas por surdos e ouvintes de Tiros convivem num ambiente trilíngue e bimodal, no qual a LST é utilizada tanto por falantes ouvintes quanto por surdos, coexistindo com o português oral e, também, com a libras. O contato com a libras se deu em razão da mudança de Vanilda, Lenir e Vani para Uberlândia, onde puderam frequentar a escola e a associação de surdos da cidade. Desse modo, conheceram outros surdos e aprenderam a libras.

Todavia, a língua de sinais familiar continua sendo amplamente usada quando estão entre os familiares surdos e ouvintes. Além de seu papel comunicativo, a língua de sinais de Tiros é fundamental no convívio familiar, permitindo a transmissão de conhecimentos sobre trabalho, cultura e vida cotidiana, como evidenciado por seu uso no contexto do trabalho agrícola, como na produção de e das interações comunitárias.

A coleta de dados na cidade de Tiros e Uberlândia foi realizada previamente, antes da vigência do projeto. O trabalho de campo foi realizado em março de 2022 por equipe integrada por Lúcio Amorim, à época doutorando do PPG em Linguística e Língua Portuguesa da Unesp, e pela Profa. Dra. Angélica Rodrigues (Unesp), orientadora, e pelo Prof. Dr. Anderson Almeida-Silva (UFPE), coorientador.

Nossa estratégia metodológica de solicitar que os informantes narrassem alguma história pessoal em que se sentiram em perigo ou correram risco de vida foi, nesse sentido, bastante produtiva. Nesses contextos, pudemos registrar a sinalização fluida e rica em detalhes, como observado na interação entre Maria de Fática e sua filha mais velha Flávia (link do vídeo).

Foram realizadas entrevistas individuais, diálogo entre duas ou mais pessoas. Contamos com a ajuda de Lenir, que é proficiente em libras, que acompanhou todas as entrevistas atuando como intérprete de LST. 

Abaixo, selecionamos imagens das dinâmicas da coleta de dados:

Narrativas Pessoais

Abaixo disponibilizamos duas narrativas pessoais, com legenda em português e tradução para libras.

O vídeo anotado pode ser aberto no ELAN usando o arquivo eaf aqui (link para o repositório)

Glossário

É possível consultar abaixo uma amostra do vocabulário da língua de sinais de Tiros.

Os sinais são exibidos em foto e/ou gif e alguns são acompanhados de um vídeo que apresenta o sinal no contexto de um enunciado.